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Coleções

Trabalho, Estado e Educação: considerações teóricas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

É preciso reconhecer que profundas transformações estão a ocorrer nas últimas décadas. Desde aquelas de caráter tecnológico, passando pela reordenação das mais diversas sociedades no quadro das suas relações, no lugar que ocupam no mercado e no mundo do trabalho, até as que impactaram as políticas educacionais implementadas pelas Agências e são praticadas pelos governos locais.

No Brasil, os últimos governos se revelaram bastante empenhados em cumprirem o ideário educacional que se tornou hegemônico. O pensamento crítico ao referido ideário, não hegemônico, tenta resistir. Resiste pela denúncia, pelas tentativas de obter um conhecimento científico da realidade, por atitudes políticas e também com movimentos sociais de luta por direitos.

Dentre tantas bandeiras possíveis de serem assumidas, a defesa da escola estatal gratuita, laica, universal e de qualidade, apesar de já antiga, parece ser aquela que, a cada dia, torna-se mais atual. Na onda de privatizações de toda ordem, a escola estatal agoniza e vai cedendo espaços ao setor privado. E o setor privado avança, inclusive com a solidariedade dos recursos públicos/estatais que o estimula. São verdadeiras parcerias público-privadas. Um exemplo clássico é o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), definido como “um programa do Ministério da Educação destinado a financiar instituições não gratuitas”. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o agente operador do Programa (sisfiesportal.mec.gov.br/fies.html). Então, é possível compreender que uma revista possa, na parte que dedica a Comércio, anunciar a seguinte matéria: Brasil detêm recorde mundial de empresas lucrativas de ensino. São 2081 organizações com fins lucrativos. Quantidade que não corresponde a qualidade do ensino e da pesquisa exigidos pelo país (www.carosamigos.com.br). O que falar do Prouni? O título é pomposo: Programa Universidade para todos. Sua definição: “É um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior” (siteprouni.mec.gov.br).

O FIES e o PROUNI são recursos públicos que estão sendo sonegados à escola estatal e que acabam viabilizando que o setor privado educacional seja cada vez mais controlado pelo capital financeiro.

Uma significativa demonstração de como a política educacional incorpora a ótica dos interesses dominantes está no Todos pela Educação (www.todospelaeducacao.org.br), no Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE 2007 – (portal.mec.gov.br), no Plano Nacional de Educação – 2014 (pne.mec.gov.br), muito explicitamente no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec (www.brasil.gov.br/educacao /2011/09/pronatec) e no Programa Nacional de Educação do Campo – Pronacampo (www.emater.go.gov.br/w/3330). O resultado da formação implementada é sempre em detrimento das classes trabalhadoras. O capital concebe a educação que lhe é conveniente e o Estado, com governos que se sucedem, executa as ações necessárias. Não há descaso. Não há omissão. Existe um projeto de sociedade em construção que privatiza o ensino com a ajuda do recurso público, que transforma as universidades em prestadoras de serviço, que impinge uma alfabetização funcional à formação do trabalho simples no ensino fundamental e médio – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (pacto.mec.gov.br).

Chega a ser impressionante o elevado número de programas e projetos estabelecidos para a execução das políticas educacionais em curso. Uma rápida visita aos sites oficiais nos indica a existência de centenas deles. Tem-se a impressão de que nenhum aspecto da educação, em todos os níveis e modalidades, vem sendo esquecido. Destaque muito especial à Educação a Distância e Formação de Professores. “A Educação a Distância é a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (portal.mec.gov.br). Para a Formação de Professores ganhou corpo quantitativo o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR – “um Programa emergencial” que fomenta turmas especiais de Licenciatura, segunda Licenciatura e Formação Pedagógica (www.capes.gov.br).

Em paralelo, mas ao mesmo tempo tudo imbricado, os docentes tiveram que estabelecer lutas jurídicas para minimamente terem o Piso salarial do magistério respeitado pelos governantes que o coordenam.

Em janeiro de 2015 o Piso foi reajustado para R$ 1917,78, “vencimento inicial dos profissionais do magistério público da educação básica, com formação de nível médio modalidade normal, com jornada de 40 horas semanais” (mecsrv125.mec.gov.br). Em 2014, ano da realização do campeonato mundial de futebol no Brasil, a Internet registra, aqui também às centenas, as greves de docentes pelo Brasil inteiro. O “Brasil, Pátria Educadora”, da presidente recém assumindo seu segundo mandato, seja lá o que isso possa significar, não parece promissor às mudanças sociais e educacionais qualitativas.

Temos, portanto, motivos muito relevantes para pensar a realidade que está nos produzindo. Queremos preservar a possibilidade de agirmos como sujeitos da história e não sucumbir sob um pensamento único, que vem homogeneizando nossas percepções. É preciso resistir e continuar disseminando utopias possíveis. Para isso, a presente coletânea é fundamental, ao esmiuçar referenciais teóricos e aspectos concretos da política educacional e sob o patrocínio maior do tema Trabalho, sociedade e educação.

Ao se iniciar a leitura do presente livro, é possível logo observar que o uso de uma teoria e autores clássicos é benéfico para a compreensão da realidade dos dias atuais. Definindo-se com clareza a natureza do Estado contemporâneo e suas relações com o conjunto da sociedade, torna-se possível decifrar a orientação impingida às políticas educacionais. Por sua vez o conjunto da sociedade não é tomado como algo homogêneo mas, sim, um imbricado campo de contradições. Resultam das contradições sociais forças hegemônicas que, supostamente representantes de todos os interesses, direcionam as políticas sociais para a obtenção de resultados que lhes sejam os mais favoráveis possíveis. E se resgata então, pela análise, a compreensão de que a História ainda não suprimiu a luta de classes. O Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE – é desmascarado pela revelação das suas marcas ideológicas, pela contrariedade entre o discurso e fins realmente visados e pelo alicerce material no capital, na lógica de mercado e que privilegia o setor produtivo privado.

Bem, um outro texto da Coletânea discorre sobre as implicações da globalização econômica do modo de produção capitalista. Com as transformações do mundo da produção, do mundo do trabalho e, sob a orientação dos princípios neoliberais, se impuseram as demandas para que se realizasse as Reformas dos Estados. A seu modo os governos brasileiros embarcaram também naquela empreitada. Por conta do novo modelo de Estado se redefiniram as políticas sociais e, dentre elas, a política educacional. Ampliou-se, sobremaneira, as chamadas políticas compensatórias, ou seja, aquela infundada perspectiva de que o modo-de-produção capitalista pode ser mais justo e, consequentemente, menos cruel. É, no quadro assim delineado que se evidencia a situação do Surdo, em especial em relação à educação. A abordagem da legislação pertinente e o posicionamento crítico dos autores levam a um desafio político-pedagógico: “quais os melhores meios para uma educação verdadeiramente transformadora inclusive para os surdos? ... Quais são as maneiras de a comunidade surda reivindicar seus direitos de participação?”.

A seguir, um emblemático capítulo traz as reflexões marxianas (Marx e Engels) sobre a instrução dos trabalhadores. Emblemático porque se utiliza, como no início da obra, de textos clássicos consagrados, o que a moda atual parece não valorizar e, porque exercita meticuloso esforço para apresentar as referidas reflexões. Como se sabe, a obra marxiana não tem a sua centralidade assentada na educação ou na escola, no entanto, há escritos que direta ou indiretamente tocam nesses temas. Foi organizada uma referência aos principais textos, uma interpretação deles com a historicidade necessária e extraindo considerações que são indicativas para os dias de hoje.

Vê-se com clareza o que Marx e Engels entendiam por educação, por educação de classe, por educação dos filhos da classe operária, por educação e um projeto revolucionário para uma nova sociedade. Nas contradições do Estado capitalista fica inserida a luta pela educação pública universal, laica e gratuita. Na busca da formação unilateraldestacam-se as dimensões intelectual, física e técnica.

Considerando que os autores do capítulo prestam uma relevante contribuição também didática na apresentação da temática, ressalto o desafio que fazem: centralizar o marxismo e sua relação com a educação como objeto de estudo para melhor compreender as nuances e transformações pelas quais a educação e o ensino brasileiro passaram e, ainda passam, determinadas pelo movimento do capital.

Na sequência temos uma reflexão sobre a delicada e pertinente questão dos aspectos éticos relacionados à pesquisa educacional. A pergunta dos autores é: “como fazer pesquisa em educação com ética?”, pois o desafio é: “... manter a integridade do sujeito da pesquisa, ou seja, o Homem em sua diversidade sociocultural e educacional e a independência do pesquisador, livre de censura e constrangimentos de ordem política ou econômica”. A exposição explora as relações entre o processo de humanização, a educação e a ética. Há ainda a análise dos aspectos práticos da condução da pesquisa em educação e a defesa de uma ética norteadora da pesquisa educacional pautada “pela crítica contundente das formas ideológicas e concretas das condições de exploração do homem pelo homem”.

As pesquisas empíricas que completam a Coletânea são todas de teor crítico e com referenciais teóricos próximos. Elas se arvoram por caminhos que buscam uma compreensão das mudanças macro em ocorrência nas últimas décadas do modo-de-produção capitalista, das condições da classe trabalhadora, com algum destaque para os trabalhadores da educação e das Reformas de Estados ou dos Estados já reestruturados. E, face a tal situação macro, as novas políticas educacionais, aqui abordadas pelos seguintes focos: a educação à distância e a ressignificação do trabalho docente (o Tutor? O Sistema Universidade Aberta do Brasil); a fundação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná no contexto da expansão da educação superior que ocorre influenciada pelo capitalismo na sua versão financeira (REUNI); Educação e desenvolvimento rural: PROJOVEM – CAMPO; Mudanças no mundo do trabalho: algumas no trabalho docente e a Formação Continuada no Estado de Mato Grosso.

A presente Coletânea é, então, uma contribuição teórica e de análise empírica de alguns dos aspectos da atual política educacional desenvolvida no Brasil. A sua leitura, com certeza, trará significativos elementos de compreensão dessa realidade viabilizando que as ações pela transformação possam ser mais orgânicas e coerentes.

 

José Luís Sanfelice

Prof. Titular em História da Educação

Aposentado da UNICAMP

 

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