Gramsci no limiar do século XXI
O pensamento de Gramsci não se restringiu à Itália. Suas concepções são discutidas por toda parte e influenciam todos aqueles que reivindicam por princípios democráticos na educação, na cultura, na política e na economia. Assim, este livro proporcionará análises que buscam compreender a recepção de Gramsci no Brasil, nos últimos 30 anos, e a sua contribuição categorial para analisar a educação, a política, a história, a economia, enfim, a sociedade brasileira no século XXI. Compreendemos que essas contribuições nos remetem a pensar formas de emancipação humana como estratégia para a construção de uma nova ordem social, econômica e política. (NUNES; PAIVA; SILVA, 2010) Podemos dizer que pensar o Brasil numa perspectiva gramsciana é desvendar uma sociedade enredada num contexto de luta, de contradição, inserida num movimento social determinado e determinante historicamente.
Diante disso, é mister perguntar: Qual a importância, hoje, dos conceitos fundamentais de Gramsci que enriqueceram o pensamento social, político e educacional ao longo do século XX? “No Brasil, o primeiro espaço institucional que iniciou o estudo da obra de Gramsci, na área da educação, ocorreu em 1978, na PUC–SP, com a disciplina teoria da educação, ministrada por Dermeval Saviani. Para Saviani, ‘o objetivo era estudar Gramsci, para ver em que medida suas reflexões nos ajudam a compreender melhor os problemas que estamos enfrentando na educação brasileira’” 1. Desde a década de 1970 até o início do século XXI, vários estudiosos brasileiros debruçaram-se sobre o legado gramsciano para analisar a educação, a cultura, a política e a economia.
O objetivo deste livro é realizar um debate, provocado por interlocutores como Edmundo Dias, Dermeval Saviani e Paolo Nosella, que apresentam uma importante trajetória de estudos sobre Gramsci, e outros pesquisadores como Carlos Zacarias, Leandro Galastri, Wilson Santos, que propõem estudos cujos temas e problemas, sobretudo de ordem histórica, continuam desafiando a educação, a política, a cultura e a economia brasileira.
Este livro surgiu do seminário realizado nos dias 31 de maio e 1o de junho de 2010 em Salvador, por iniciativa da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), do Grupo de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Museu Pedagógico da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (MP/Uesb) e do Grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação da Bahia (HISTEDBA).
Seminário intitulado Gramsci no Limiar do Século XXI: Pessimismo no Pensamento, Otimismo na Ação , contou com a conferência de abertura sobre Gramsci e a Educação no Brasil, e no turno vespertino, a palestra O Trabalho como Princípio Educativo e Pedagógico. Nesse seminário, foram compostas três mesas-redondas, a saber: Educação e Trabalho: Aportes Gramscianos; Transformismo, Bloco Histórico e Formação Ético-Política; Controvérsias Marxistas sobre a Leitura e Recepção de Gramsci no Brasil. Por fim, uma conferência de encerramento, intitulada Intelectuais: para que e para quem?
De acordo com o material final do seminário, das palestras e das conferências, o livro ficou assim estruturado: Introdução, por Dermeval Saviani, discorrendo sobre a recepção de Gramsci na educação brasileira, ressaltando, entre outras questões, o caráter historicista do pensamento de Gramsci e, com isso, o desafio de fazer sua leitura sem perder de vista a necessidade de historicizá-lo, de apreender em Gramsci o método da historicização, com o fito de realizar análises teóricas no campo da educação.
O texto de Carlos Zacarias de Sena Júnior, Por linhas tortas: controvérsias marxistas sobre a leitura e recepção de Gramsci no Brasil, versa sobre as polêmicas dos usos e abusos dos conceitos gramscianos realizados principalmente por marxistas. Além disso, o outro fator, ao falar dessa recepção de Gramsci no Brasil, é o tratamento editorial dado a todo material construído pelo autor sardo.
Paolo Nosella, em Controvérsias marxistas sobre a leitura e recepção de Gramsci na educação brasileira, destaca que a leitura da obra de Gramsci deixa uma contribuição importante para os educadores brasileiros, pois o pensador italiano deu um destaque à escola como objeto de pesquisa fundamental, por ser uma instituição na qual, em um determinado bloco histórico, as estratégias de luta hegemônica se fazem presente. Além disso, Nosella analisa o a-historicismo que marcou na recepção de Gramsci na educação brasileira.
Em Gramsci e a educação no Brasil, Dermeval Saviani realiza um balanço de alguns trabalhos, das décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, que fazem referência a Gramsci ou que dedicam pesquisa sobre o sardo. De forma igual, Saviani mostra como os estudos sobre o autor comunista foram desenvolvidos na primeira turma do Doutorado em Educação, da PUC–SP, em 1978, sob sua coordenação, e de que modo ele realizou a leitura desse intelectual italiano em seus trabalhos. Por fim, aborda a construção das matrizes teóricas da pedagogia históricocrítica inspiradas nos postulados gramscianos e marxianos.
Em A construção do bloco histórico: via jacobina e o ‘debate’ com Georges Sorel nos Cadernos do cárcere , Leandro Galastri discute a apropriação e assimilação crítica, por parte de Gramsci, do pensamento revisionista representado por Georges Sorel, focando na categoria “bloco histórico”. Para Galastri algumas categorias centrais elaboradas nos Cadernos do cárcere provêm da assimilação crítica de conceitos elaborados por Sorel no período de uma trajetória pessoal em que o pensador francês se encontrava envolvido na produção revisionista de sua época, em diálogo direto ou indireto com ela.
Wilson da Silva Santos, em Uma leitura gramsciana: subjetividade, sujeito e formação ético-política, ensaia uma interpretação sobre a relação entre subjetividade, sujeito e ético político, cujo objetivo é mostrar que na construção da hegemonia desenvolve a formação ético-política norteada dentro da coletividade, favorecendo ao sujeito a compreensão crítica de si, dentro de uma luta de hegemonias políticas, de direções contrastantes, a princípio no campo da ética, depois da política e da subjetividade, para se chegar a uma elaboração superior da concepção do real.
Esta obra é finalizada com uma lúcida palestra Intelectuais: para que e para quem? de Edmundo Dias, que traça um dos conceitos fundamentais de Gramsci, o de intelectual. Em seu texto, Dias já diz peremptoriamente que o intelectual para Gramsci é aquele que interfere na prática social. Trata-se, ao falar desse conceito, sobre a formação de direção política, econômica e cultural, seja o intelectual da classe subalterna, seja o intelectual da classe burguesa ou, até mesmo, o intelectual tradicional, tendo cada um deles finalidades diferentes quanto à intervenção política sobre a realidade.
A composição desta obra mostra a riqueza e a complexidade tanto da temática como da análise que os autores nos oferecem. Daí, a importância dos seus ganhos serem socializados, compartilhados. Acreditamos, por isso, que a contribuição deste trabalho seja profícua para todos aqueles que querem compreender e pensar em um novo projeto societal, como afirma Edmundo Dias, em um projeto da modernidade, da ruptura, da construção do novo.
Os organizadores.